14 fevereiro 2015

Colando os Pedaços

Conto 15 injeções. Aperto os dentes em cada uma. Sinto o sangue escorrendo em minha pele após algumas. Ao observar, não vejo como sendo minha perna, parece a perna de um manequim mal feito entre lençois de tonalidades verdes diferentes. Estou lúcida, mas viajo. São as cores que reparo primeiro, salas de cirurgia tem cores marcantes, quem está deitado na mesa cirúrgica pode apreciá-las melhor. Vermelho, verde, azul, verde, verde, verde, branco, branco, branco. O relógio, números em vermelho, tic tac ausente aos meus ouvidos.

A lâmina desliza sob minha pele pálida e já marcada. Espero por uma dor que não vem. Deveria, porque eu mereço. O sangue deixa de escorrer após cauterização. Sinto os movimentos. E estranhamente sinto uma forma de carinho ao segurarem minha perna. Aprecio a pressão da enfermeira sobre elas, me dão uma segurança fingida, uma importância alterada. Sinto não merecer isso, e não aviso que estou sentindo quando os pontos estão sendo feitos. Pouco. Mas sinto. 

Segunda incisão, observo as mãos enrugadas do cirurgião que nem ao menos tremem. Mas eu tremo. Sinto frio. Eu sempre sinto frio. "Essa está profunda, vou fazer uma incisão maior" escuto entre cochichos com a enfermeira. Não querem que eu escute, porque meus olhos permanecem abertos quando deveriam estar fechados, porque permaneço lúcida quando o comprimido que me deram deveria ter me feito dormir.

Desisto de observar a perna de manequim ser refeita. Deito minha cabeça e observo o relógio, até que os ponteiros marquem mais de uma hora e quinze minutos de cirurgia, e sinto fazerem os curativos. Me levanto sem que me digam. Esqueço minha nudez, já viram oque acho mais íntimo em mim, minhas cicatrizes, minha nudez não importa mais. Saio andando normalmente, não porque não sinto nada, mas porque eu tenho que não sentir nada

"Você quem fez isso, deveria ficar feliz com a reconstrução" "Você não deveria ter feito, não merecia fazer a cirurgia reparativa" "Você não queria a dor?" "Você merece o pior". Escuto. Algumas são frases ditas na minha cabeça, outras são escutadas pelos meus ouvidos. Dessa vez as lâminas não eram para ferir, eram para reparar. Não eram para me fazer me sentir viva, eram pra me lembrar quão doente sou.

Estou colando os pedaços. Partes íntimas de mim que ninguém deveria ver. E não irão mais.

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